22 de março de 2014

DIA Z - PARTE 5

Pouco mais de uma hora passara-se desde a conversa que tiveram. Os quatro continuavam reunidos no mesmo lugar - uma grande loja de ferramentas, estofados e materiais de construção em geral. As luzes estavam acesas, mas eles estavam escondidos, fora da vista de qualquer zumbi que pudesse ve-los, apesar de haverem dois deles tentando entrar - inutilmente - pela pesada barreira que fizeram para segurar a porta que havia sido arrombada por Franco. Tentavam não falar muito alto agora, pois podia-se ouvir bastante movimentação ao redor da loja, e uma breve espiada na vitrine mostrava que havia um grande grupo de zumbis perambulando nos arredores. Criaturas sem alma, movendo-se cegamente ou por algum tipo de instinto, como se fossem animais, porém, sem nenhum traço de inteligência aparente - ''para nossa sorte'' - pensava Franco, que estava abaixado observando-os. Mas a sorte não era assim tão grande não, pois eles estavam presos ali dentro, cercados, não havia saída por trás da loja e aqueles tiros todos dados mais cedo parecem ter atraído um enorme grupo daquelas coisas.

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Jéssica tinha apagado de novo, o corpo dela parecia estar reagindo positivamente ao vírus agora; não sentia mais tontura e as náuseas também deram uma trégua. Sua cabeça ainda latejava um pouco por conta da batida, e seu braço ainda doía bastante, mas tirando isso ela estava bem. Jéssica havia virado-se de lado no sofá e chorado um pouco até pegar no sono. Franco ouviu-a chorando e começou a pensar em sua filha, agradecendo a Deus por sua menina estar longe dessa cidade. Ele ficou próximo de Jéssica alguns minutos, mas nada falou; quando percebeu que ela havia dormido, levantou-se e foi fazer guarda próximo a entrada da loja, onde permaneceu.


Elias estava sentado em silêncio, descarregando e carregando novamente o revolver calibre 38 que segurava em sua mão esquerda. O revolver havia pertencido ao seu irmão - pai de David - e ele o pegou assim que percebeu que algo nas ruas não estava certo. A primeira bala disparada foi contra a cabeça de um homem vestindo terno e gravata. Saíra engatinhando de um Citroen branco acidentado, com certeza era um sujeito de grana; mas a grana já não lhe valia de mais nada, pois metade da sua garganta havia sido arrancada e ele engatinhava com os olhos mortos e arregalados em direção a Elias, que ainda pediu duas vezes para que o sujeito se afastasse, mas não houve um terceiro aviso. A bala entrou pelo olho esquerdo e saiu pela têmpora direita.

Somente David não estava entre eles. Depois daquela discussão que tivera mais cedo com o tio, disse que iria ao banheiro, que precisava ficar sozinho, e desapareceu ao fundo da loja.

Deitada no sofá, Jéssica começou a ficar inquieta. Estava tendo um pesadelo com Lucas. Ele estava em uma sala cheia de espelhos e segurava um revolver em sua mão. Lucas estava pálido, com olheiras profundas, e suor escorria-lhe sem parar do rosto, misturando-se as lágrimas. Com a mão trêmula, colocou o revolver na boca, fechou os olhos com força e disparou. Os espelhos mostraram a cena de todos os ângulos possíveis, e um deles ficou espirrado de sangue. Assim que o tiro foi dado, Jéssica acordou com um pulo, levantando-se imediatamente do sofá ao perceber que não havia sido apenas um sonho, um tiro havia de fato sido disparado! Franco apareceu as pressas, segurando a arma em punho. Elias estava imóvel observando o fundo da loja a procura da ameaça, quando de repente notou a ausência de David e saiu correndo gritando o nome do sobrinho.

- Jéssica, fique aqui e se esconda, eu vou ver oque esta acontecendo lá atrás!

Outro tiro foi disparado, seguido de um grito. Jéssica acenou com a cabeça e Franco correu para acompanhar Elias. Assim que ele saiu, ela abaixou-se e pegou sua mochila. Seus três revolveres ainda estavam ali dentro, mas só um deles possuía munição. Olhou o clipe, haviam oito balas restantes, engatilhou-a e ficou abaixada atrás do sofá, esperando.

- David!! David!! - Elias chamava, mas não havia resposta.

- Encontrou-o!? - gritou Franco, aproximando-se.

- Não, ele não responde! David!!

Havia uma porta a direita, com a escrita ''sanitários'' acima dela. Um gemido de dor veio lá de dentro.

- David!... - Elias saiu correndo.

- Elias, espera! - Franco tentou impedi-lo, mas o velho já estava entrando. - Droga... - ele ergueu a arma e foi atrás.

A luz lá dentro estava acesa e os gemidos de dor estavam mais intensos, mais próximos. Franco entrou com a arma apontada, mas abaixou-a em seguida.

- Essa não... - Foi tudo oque disse ao ver Elias chorando, ajoelhado ao lado de David; este por sua vez, sofria muito e mal conseguia falar. Ao lado dele, caído em uma poça de sangue escuro, estava Russel, com olhos brancos arregalados e sem vida em direção ao teto, e em sua boca estava pendurado um pedaço suculento de carne fresca, que poderia ser o pedaço do pescoço de David que estava faltando.

- David, David meu filho, você vai ficar bem... - Elias chorava e tentava cobrir o ferimento do pescoço de David com as mãos, mas era inútil, pois no ritmo em que estava perdendo sangue, morreria em minutos.

- Tio, me des-culpa... - David falava com dificuldade, parecendo se engasgar com o próprio sangue. - O desgraçado, a-apareceu do nada... tio...

Franco olhava fixo em direção a Russel. Como fora possível ele ter virado uma daquelas coisas? Ele não havia sido mordido. Depois que morreu, Franco e Elias o carregaram até o fundo da loja e o cobriram com um tapete. Em momento algum alguém imaginou que isso iria acontecer... a não ser que... estariam todos eles já infectados!?

- Calma filho, não fala nada, e-eu vou buscar um curativo, alguma coisa pra estancar isso! - Elias tentou levantar, mas David o segurou pelo braço. Elias encarou os olhos sem esperança do sobrinho, e entrou em um choro desesperado ao dar-se conta de que nada poderia ser feito para salva-lo.

- Tio... - David segurava alguma coisa em sua mão, uma foto; ele entregou-a a Elias. Na foto estava David, seu tio Elias, sua mãe Lia, e seu filho Daniel. - nome dado em homenagem ao falecido pai, também chamado Daniel, que morrera poucas semanas antes do neto nascer.

Elias segurou a foto com firmeza, incapaz de pronunciar uma palavra sequer.

- Meu f-filho... - começou David, seus lábios trêmulos e arroxados. - ...salva meu filho, tio Elias... eu, fui um bom pai, não fui? Posso, n-não ter sido no inicio, mas... mas eu...

- Você sempre foi ótimo, David. Não se preocupa meu filho, não se preocupa, eu vou fazer o possível pra ajudar o Dani, eu vou fazer oque for possível, eu prometo... David? Esta me ouvindo, David? Davi...? Não...

Elias o chacoalhava, mas David não respondeu mais, estava morto. Franco aproximou-se e encostou no ombro do velho, que apenas chorava abraçando-se ao corpo caído do sobrinho. Uma grande poça de sangue já havia se formado abaixo dos dois.

Barulhos de passos rápidos começaram a ecoar, Jéssica apareceu correndo pelo corredor dos sanitários, parecia assustada.

- Pessoal, rápi...! - interrompeu-se, chocada ao ver a cena, e olhou com tristeza para David e Elias, mas voltou a falar um segundo depois. - A gente precisa sair daqui, os zumbis estão forçando a porta e a vitrine, eles vieram todos em direção a loja!

- Droga, o som dos tiros deve ter agitado eles... Nós precisamos encontrar um meio de sair daqui, ligeiro! - Franco ia retirando-se, mas deu uma ultima olhada em Elias. - Você vem, não vem?

O velho guardou a foto no bolso da calça, empunhou o revolver e levantou. Ele havia feito uma promessa ao seu irmão, prometeu que cuidaria de David, mas falhou. Agora havia feito uma promessa a David, e cumpriria ela de qualquer maneira.

PARTE 1
PARTE 2
PARTE 3
PARTE 4

Conto escrito por Otávio Augusto Hoeser.
Mande seu conto para contosdomedo@gmail.com.

Sabine d'Alincourt