25 de abril de 2010

Fantasmas do Século XX - Joe Hill

Muito trabalho com o MEDO nesse novo ano, MEDO C em breveee :D E novas surpresas...
Enquanto isso vamos a nova resenha de um livro do filho do mestre...
Resenha do Mário Carneiro Jr.






Ter um pai famoso pode trazer certas dificuldades para aquele que deseja seguir os passos paternos. Sempre haverá comparações, sem contar os comentários no estilo “fulano só conseguiu tudo isso porque o papai ajudou”. Enfim, não importa os méritos pessoais, sempre vai ter um escroto (que nunca fez nada na vida) para criticar. Justamente por isso, Joseph Hillstrom King, filho de Stephen King, preferiu adotar o pseudônio de Joe Hill ao escrever seus contos de horror, suspense e drama, que conseguiu publicar em diversos lugares sem que ninguém desconfiasse de sua real identidade. Aos poucos, a qualidade de seus trabalhos foi chamando a atenção dos leitores e da crítica, sendo que até ganhou alguns prêmios. Em 2005, lançou o livro de contos Fantasmas do Século XX, que ganhou os importantíssimos prêmios Bram Stoker e British Fantasy Award. Dois anos depois, publicou seu primeiro romance, A Estrada da Noite, em uma tiragem maior. Já consagrado como um escritor de respeito (e livre da sombra do pai famoso), Joe Hill pôde enfim revelar sua verdadeira identidade.

Seu estilo é muito diferente do velho King. Não é melhor, mas é diferente, mais sutil e com uma ironia quase britânica. Elementos sobrenaturais se misturam com citações sobre filmes e livros de horror, tornando a leitura prazerosa para os fanáticos pelo gênero. Algumas vezes, o escritor prefere investir mais no drama e nos relacionamentos dos personagens do que no horror propriamente dito, o que pode desagradar os leitores que estão interessados apenas em sentir calafrios. Mesmo assim, alguns dos seus contos são tão bem feitos que conseguem alcançar o status de obras-primas do medo, subvertendo clichês ou abordando o terror de uma maneira diferenciada. Resumindo, é um horror de classe.

Feita a introdução de sempre, vamos ao que interessa: comentários sobre algumas das histórias de Fantasmas do Século XX, lançado no Brasil pela Sextante.

A coletânea começa com a história “O Melhor do Novo Horror”, sobre um editor que publica uma série de livros de contos que faz bastante sucesso. Seu trabalho é, basicamente, ler histórias de terror o dia inteiro, para então escolher as melhores e juntar em um novo livro. O que parece uma profissão dos sonhos (ao menos para mim, he he) se revela algo cansativo e monótono, à medida que o sujeito é obrigado a ler centenas de histórias cada vez piores. Conforme ele diz em certo momento, “a idéia de ler outra história sobre vampiros transando com outros vampiros deixava-o fraco”. Porém, um belo dia ele se depara com o melhor conto de horror que já leu em sua vida (apreciando até mesmo o final-surpresa, apesar de saber que muita gente acha que “finais-surpresa são coisa de amador”). Agora ele precisa encontrar o verdadeiro autor, porém, talvez haja um motivo para aquele conto ser tão realista. Enfim, “O Melhor do Novo Horror” é uma história bastante pessoal, em que Joe fala sobre algo relativo a sua própria vida, com ironia ímpar e sacadas espertas sobre o mercado editorial e o ofício de escrever.

Em seguida vem “Fantasma do Século XX”, a história do velho proprietário de um cinema assombrado. Às vezes, as pessoas enxergam o fantasma de uma mulher lá dentro, algo que ele já viu algumas vezes e espera ansioso para ver novamente. Esse conto causa alguns arrepios ao narrar as lendas urbanas que se formaram sobre o local, além de resultar em uma bela história de amor (!) que irá agradar a todos os cinéfilos de plantão. Sem contar que é interessante ver personagens reais transformados em personagens do conto, como por exemplo, o diretor Steven Spielberg, que deseja comprar o cinema. A descrição apurada do cineasta provavelmente se deve ao fato deste ser amigo de seu pai (ser filho de King também tem suas vantagens, vai dizer que não?).

A terceira história é Pop Art, que de terror não tem nada, mas... caras, é uma das histórias mais emocionantes que já li! Nem vou falar muito dssa fábula delirante sobre a amizade de um garoto com seu novo colega de escola, que na verdade é um boneco de borracha (sim, isso mesmo!). E não, o amigo dele não é uma “boneca inflável”, seus maliciosos, mas um verdadeiro boneco de borracha vivo! Parece idiotice? Eu sei que parece, mas não é. Apenas recomendo a qualquer um que leia essa história antes de morrer. Simples assim.

“Vocês Irão Ouvir o Canto do Gafanhoto” trata de um menino que, um belo dia, acorda transformado em um enorme inseto. Desde as primeiras linhas, fica óbvio que o conto é uma homenagem ao clássico A Metamorfose, do escritor Franz Kafka; mas mais importante que isso, é uma celebração aos famosos filmes B dos anos 50. Assim, acompanhamos a luta do garoto para se acostumar com sua nova condição de gafanhoto gigante, além de sua sangrenta revolta contra todos aqueles que o maltrataram. Um conto que mistura o clássico e o trash, com um resultado bastante satisfatório.

“Os Meninos de Abraham” é menos explícito, investindo na sutileza e na melancolia de dois irmãos que moram com o pai viúvo. O velho exige que eles estejam em casa antes do anoitecer, pois acha que uma criatura das trevas irá atrás deles por vingança. Para quem ainda não percebeu, o pai das crianças é (ou talvez seja) o famoso personagem Van Helsing, do livro Drácula. Sabendo disso, é possível fazer uma releitura da trama, que pode ser interpretada como um desabafo sobre as dificuldades de se ter um pai famoso, e o quanto isso pode ser sufocante.

O tema paternidade é uma constante na obra de Joe Hill. Prova disso é a história seguinte, “Melhor do Que Lá em Casa”, que também aborda as relações entre pai e filho. Esse também não é de terror e, na minha opinião, é uma história fraca. Não empolga, mas também não é ruim. Joe Hill parece ser incapaz de escrever algo que alguém diga “isso é uma merda”.

O sobrenatural retorna em “O Telefone Preto”, sobre um garoto seqüestrado que recebe ligações de um fantasma. História angustiante, sobre a qual é melhor não falar muito. “O Último Suspiro” poderia muito bem ser um conto do grande Ray Bradbury, tamanha a sutileza e a poesia (sem deixar o horror de lado), enquanto “Bobby Conroy volta dos Mortos” é mais uma história de amor (“ah, Mario, que chato”), mas que se passa dentro do set de filmagens do clássico Despertar dos Mortos, de George Romero (“ah, Mario, que legal!!!”).

Estes são alguns dos contos de Fantasmas do Século XX, um livro que mistura horror, drama e ironia de uma maneira impecável. Não vou dizer que é o melhor livro do mundo, e creio que não irá agradar àqueles que preferem uma sangueira básica, mas certamente é indicado para quem deseja algo mais sutil.

Obs. O filho de Stephen King não é o único que fez carreira na literatura. Tabitha King, a esposa do patriarca, também já deu seus passos nos livros de horror. Pena que ela não é tão talentosa quanto o maridão e o filhote... Para ver uma resenha de seu livro Miniaturas do Terror (o único dela lançado no Brasil), clique aqui.

Abraços, boa leitura!


Pensando num concurso de contos em breve... alguém topa ? srsrs
Bons Pesadelos...

25 comentários:

Anônimo disse...

Nós somos fãs de Stephen King e sempre ficamos atento às obras. Ouvindo, assistindo e lendo. Graças a Deus Stanley Kubrick também não nos decepcionou com a adaptação de algumas obras do Stephen.
A qualidade de King é totalmente singular, vez que não seria diferente com essa hierarquia.

E com certeza nós vamos dar uma sacada no "filhinho do papai".

Quanto ao concurso de contos, é uma ótima ideia. Para quem vai, ou não, participar.

Anônimo disse...

ótimo post, e eu participaria do concurso de contos. :-)

Gisele disse...

Um concurso de contos seria interessante, embora eu provavelmente não participe

Anônimo disse...

Rapaz... eu sou fã do Stephen King, aí resolvi dar uma lida no q o filho dele escreve e comprei o "A estrada da noite" que é um bom livro, tanto q me levou a comprar tbm esse "Fantasmas do século XX" que é excelente! Tem tanto conto bom q não dá nem pra ficar falando "esse é assim, esse é assado" mas tenho q dar o braço a torcer "Pop art" é tão bom quanto os melhores contos do Stephen King...talvez até melhor, concorrendo com contos de peso como Shawshank Redemption (sonho de liberdade) ou O corpo (conta comigo).

Rafinha Bianchini disse...

Resenha excelente, muito bem escrita! Quero ler este livro... E quanto ao concurso de contos, sem dúvidas, é uma idéia genial; estou esperando ansiosa.

Alissu Deschain disse...

Concurso de contos? Eu topo. o/

Cherry Luh disse...

Se for fazer um concurso de contos, eu topo!!

Anônimo disse...

o conto Pop Art sem duvida é tipo de conto de da em vc o efeito "pressão baixa" (pelo menos comigo foi assim)

DCFerreira disse...

nao tive o prazer de ler esse ainda :/

tenho um blog onde da pra ver (quase) todos os filmes do stephen king sem precisar baixar

canso alguém queira visitar, é stephenkingmovies.blogspot.com

Mario Carneiro Jr. disse...

Valeu os comentários, amigos! E DCFerreira, teu blog é 10, já entrei como seguidor para assistir os episódios do Kingdom Hospital. Abraços!

Anônimo disse...

Eu acho esse livro muito interessante e singular.
E eu topo entrar no concurso. *-*

Diandra Lopes disse...

Confesso que gostei da escrita do Joe Hill..Li a estrada da noite e achei diferente de tudo que já tinha lido,um bom livro.

Agora o filho puxou o pai né,o King é o mestre!Talvez o Joe consiga uma maestria na sua escrita unica,que eu adorei

Diandra Lopes disse...

Confesso que gostei da escrita do Joe Hill..Li a estrada da noite e achei diferente de tudo que já tinha lido,um bom livro.

Agora o filho puxou o pai né,o King é o mestre!Talvez o Joe consiga uma maestria na sua escrita unica,que eu adorei

~na disse...

Eu NUNCA li Stephen King (coros de "oooh!"). Tive vontade de ler O Iluminado qdo vi o filme e panz, mas aí me disseram que é uma daqueles casos que o filme supera horrores do livro (não que eu concorde com esse tipo de comparação) e mei que perdi a vontade. Mas respeito o cara por ele ter trabalhado com o Kubrick, principalmente, mais do que pelos livros dele hahaha =P

Me interessa mais o terror do Allan Poe, viu...

Mas fiquei curiosa com esse conto do gafanhoto. Amo Kafka (L) e sempre quero ver se as referências a ele são justas u_u brinks. Também fiquei curiosa com "O Melhor do Novo Horror", me identifiquei em partes, hahah =P

Alessandra Castro disse...

Ah, Stephen é meu pai tb. Ao menos eu considero. :D

Enfim... Comprei A estrada da noite e adorei, esse dos contos não comprei pq sou mais fã de romances mesmo do que de coisas curtinhas. O que me incomoda é que o cara não lançou mais nada nesse sentido.

Mario Carneiro Jr. disse...

Obrigado aos outros que comentaram!

Ana, eu não concordo que o filme seja infinitamente superior ao livro, como dizem. O filme e o livro são bastante diferentes, e eu acho que, de certa forma, cada um deles representa o ápice em sua espécie: o livro O Iluminado é o máximo do terror sobre lugares mal-assombrados, enquanto o filme de Kubrick é o máximo da desconstrução desse gênero. Exatamente por essa diferença, vc pode tanto amar quanto odiar o livro de King, rs. Ainda vou fazer uma resenha de O Iluminado (com comparações entre livro e filme), e também de Edgar Alan Poe, que é muito bom.

Mary West, o Joe lançou (ou está pra lançar, não entendi bem) um novo livro, chamado Horns. E será um romance. Agora, é só esperar publicarem no Brasil ;)

Bjs!

~na disse...

Mário, por isso eu disse que não concordo com esse tipo de comparação xD a linguagem de cinema é diferente da literária, etc, e dizer que um é melhor que outro é assumir que um deles não funcionou, o que nem sempre é verdade. Disse que "perdi a vontade", mas acho que o negócio é mais em outro sentido: gosto muito do trabalho que o Kubrick fez e as críticas não-muito-boas ao livro em comparação ao filme me deixaram receosa de não gostar e acabar deixando uma imagem ruim do livro interferir no filme. O que não tem o menor sentido, porque adoro vários filmes de livro porcaria e vice-versa, mas né.

Um dia, provavelmente, vou ler. Só preciso de mais tempo. E do livro, hm.

Mario Carneiro Jr. disse...

Oi Ana, eu não achei que você pensasse de outra forma ;) Só estava contra-argumentando sobre o que essas pessoas falaram para você sobre o livro, entende? Apenas dando a minha opinião sobre o assunto, rsrs. Concordo com tudo que você disse, são mídias diferentes mesmo :)

Abração!

Anônimo disse...

Não sou crítico literário, apenas alguém que já leu muitos contos, novelas e romances de horror (entre outros vários gêneros), e sabe de uma coisa, não tenho o menor remorso em dizer que Joseph Hillstrom King é apenas alguém que provavelmente teve uma “mãozinha” para conseguir a alcunha de escritor.
Em seu enredo de palavras soltas e cenários rabiscados(?), vislumbrei um Clive Barker anêmico, aspirante a literato, ainda incapaz de produzir uma boa conjunção de frases ou cenas sequer agradáveis de ler. Me parece que escreveu às pressas, simplesmente para se livrar das idéias que lhe vinham à cabeça.
Resignado, eu digo “Tudo bem, há gosto para tudo”, porém, considerá-lo como o “novo mestre do suspense e do terror”, isso não tem fundamento. É quase como menosprezar o talento de bons escritores, inclusive brasileiros, que continuam meramente no limbo do esquecimento pela falta de uma “mãozinha”.

Bryan Maupassant disse...

Li “O melhor do novo horror”, deste último livro, e simplesmente achei indigesta, decepcionante. Tive a impressão de uma embalagem mal-feita tentando justificar um conteúdo pior ainda.
Gosto muito de literatura de horror. E também do tio King, desde que desenterrei “Turno do Cemitério” em “Sombras da Noite”. Porém.
Li “O melhor do novo horror”, de “Os Fantasmas do Século XX”, e simplesmente achei indigesta, decepcionante. Me passou a impressão de uma embalagem mal-feita tentando justificar um conteúdo ruim. Neste conto Joe Hill elaborou um tosco enredo com EDDIE CARROLL para “explicar” uma história fraca e pouco imaginativa de Peter Kilrue. Uma lástima. Em “Os Meninos de Abhaham” vi um enredo sem graça, pouco criativo, e não diria previsível, mas um clichê mal escrito. (Caim Rebelado? Aluno Inteligente? Suzane von Richthofen?). Então abandonei o livro e preferi pegar “Um país chamado Infância”, de Moacyr Scliar, pois tinha certeza que as diabruras de “O Garoto e As Chaves” teria muito mais diabruras e suspense que os contos desse meu primo bastardo.
E para quem não conhece Clive Barker, leia “O Yattering e Jack”, que talvez entenda a comparação do post acima. Me decepcionei amargamente.

Bryan Maupassant disse...

*"Corrição"
Gosto muito de literatura de horror. E também do tio King, desde que desenterrei “Turno do Cemitério” em “Sombras da Noite”.
Porém.
Li “O melhor do novo horror”, de “Os Fantasmas do Século XX”, e simplesmente achei indigesta, decepcionante. Me passou a impressão de uma embalagem mal-feita tentando justificar um conteúdo ruim. Neste conto Joe Hill elaborou um tosco enredo com EDDIE CARROLL para “explicar” uma história fraca e pouco imaginativa de Peter Kilrue. Uma lástima.
Em “Os Meninos de Abhaham” vi um enredo sem graça, pouco criativo, e não diria previsível, mas um clichê mal escrito. (Caim Rebelado? Aluno Inteligente? Suzane von Richthofen?).
Então abandonei o livro e preferi pegar “Um país chamado Infância”, de Moacyr Scliar, pois tinha certeza que “O Garoto e As Chaves” teria muito mais diabruras e suspense que os contos desse meu primo bastardo.
E para quem não conhece Clive Barker, leia “O Yattering e Jack”, que talvez entenda a comparação do post acima. Fica aqui registrada minha indignação quanto ao "novo mestre do horror(?)".

Eugenius Petrius disse...

"Pop Art" é uma história serena, quase infantil, sobre o quão importante é a amizade verdadeira. Muito agradável de ler. Gostei. Contudo, compará-la à "Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank" ou "O Corpo", desculpe, não há qualquer fundamento.
Quanto ao Concurso de Contos é uma ótima idéia, e acho que tenho uma história, rs. Começa assim:
1983. 16 de setembro. 05h25min. Bosque dos Querubins, Jardim das Folhas Secas.
O dia ainda não tivera forças para convencer a noite a repousar, de modo que uma claridade arroxeada, típica da madrugada, invadia as janelas abertas, espreguiçando-se e produzindo débeis sombras ao longo do assoalho — emprestando uma tumular aparência ao ambiente.
Seus olhos mortiços vagaram pesarosos por entre aqueles objetos infamiliares, enquanto a passos macilentos seu corpo fragilizado era impelido pelos cômodos. Lento, atravessou uma antiquada, mas aconchegante sala de estar, onde crostas de fuligem denegriam arcaicos móveis e imensas manchas de bolor corrompiam o delicado papel de parede, denunciando a deprimente desolação na qual o recinto se recolhera. Com dificuldade subiu a escada para o segundo andar, também assombrado pelos deprimentes estigmas do abandono.
Em silêncio, contemplou a sinistra teia de aranha engrinaldando o cadáver da Amiguinha estirado no chão — concebida pela Brinquedos Estrela, a boneca tinha noventa centímetros de altura, e naquele momento parecia uma criança jogada de cabeça no piso de madeira, deixando escorrer o sangue negro da xícara de café emborcada no carpete.
Uma falsa cena de crime.
Mas crimes verdadeiros ocorreram ali, não foi? Claro, muitos; na verdade, uma terrível carnificina. No entanto, ela se dera sem desperdiçar uma única gota de sangue: o sangue era precioso demais para ser desperdiçado.
Desvencilhou-se da boneca morta e passou pela televisão Sharp arredondada, azul-turquesa, que ficara tanto tempo ligada que suas válvulas pifaram, restando apenas um bizarro olho leitoso a sondar as almofadas reviradas sobre as poltronas de veludo, os tapetes desalinhados e utensílios quebrados espalhados pelo assoalho.
Prosseguiu a passos flácidos, deixando para trás vários cômodos, chegando enfim a um requintado aposento, onde venezianas corroídas proporcionavam uma majestosa vista externa.
Aproximou-se, observando angustiado a infinidade de folhas em decomposição que tombara dos gigantescos salgueiros às margens da rua, acarpetando-a de marrom-escuro. Estava tudo silencioso e frio nos arredores, pois as casas eram como antigas sepulturas, enlutecidas e ausentes de vida, banhadas agora por uma finíssima garoa que desprendia-se do céu num fragoroso pranto
Ergueu a visão, sentindo o peito ser convulsionado por uma terrível comoção, as pernas fraquejando; e talvez seus olhos marejassem e sua boca ensaiasse um dramático choro, se fosse qualquer outra criatura. Mas ao invés disso, ele apertou firme os dentes, murmurando no mesmo tom fraco de um moribundo no leito de morte:
— Por que sou submetido a tal existência? Por que a quietude da desolação me cerca com tão repugnante silêncio? Que pecado cometi para merecer tamanha punição? Ó Senhor, por que permitiu que roubassem meu espírito, deixando para trás somente esse corpo vazio, que serve apenas de sustento à dor e o sofrimento?
Sua garganta amortecida tossiu pesadamente e ele teve de se apoiar no parapeito para não desabar.
— Creio que nem mesmo no Inferno a desolação é tão persistente. Creio que nenhuma criatura, por mais ímpia que seja, foi devastada por tão desprezível provação. Senhor, por amor ao Seu Santo Nome, por que permite essa minha vida de sangue e miserável solidão? Por que Vosso sábio julgo não cessa tão profana existência, aniquilando esse semblante lastimável que aqui se apresenta?

Eugenius Petrius disse...

Continuação
Seu corpo arriou sobre as pernas e em seguida ao chão, as mãos trêmulas sem força para se manter apoiada no batente da janela. E gemendo uma ofegante súplica, seus lábios ressecados sussurraram:
— Não vê que até mesmo o Céu… despencando esse véu alvacento que umedece essas moradas sepulcrais… pranteia a minha dor? — Então aferrou os braços ao peito, tentando evitar que a tosse o sacudisse-lhe; mas pouco adiantou, pois a tosse veio com tamanha força que o fez tremer drasticamente, derrubando-o no chão, onde, com o rosto escorado no assoalho, ele balbuciou: — Por quantos anos mais serei obrigado a me arrastar nas trevas da noite e contemplar a deplorável degradação do que um dia foi o meu lar? Por quanto mais servirei de abrigo à agonia e a essas mortas lembranças?
E foi suas últimas palavras, antes do negro mar do desfalecimento lhe engolfar os sentidos.
Suas vestes estavam cheias de lama e cheiravam a carniça — carniça humana.

E assim começa nosso conto.

Eugenius Petrius disse...

•Continuação (correção - sacudisse)
Seu corpo arriou sobre as pernas e em seguida ao chão, as mãos trêmulas sem força para se manter apoiada no batente da janela. E gemendo uma ofegante súplica, seus lábios ressecados sussurraram:
— Não vê que até mesmo o Céu… despencando esse véu alvacento que umedece essas moradas sepulcrais… pranteia a minha dor? — Então aferrou os braços ao peito, tentando evitar que a tosse o sacudisse; mas pouco adiantou, pois a tosse veio com tamanha força que o fez tremer drasticamente, derrubando-o no chão, onde, com o rosto escorado no assoalho, ele balbuciou: — Por quantos anos mais serei obrigado a me arrastar nas trevas da noite e contemplar a deplorável degradação do que um dia foi o meu lar? Por quanto mais servirei de abrigo à agonia e a essas mortas lembranças?
E foi suas últimas palavras, antes do negro mar do desfalecimento lhe engolfar os sentidos.
Suas vestes estavam cheias de lama e cheiravam a carniça — carniça humana.

E assim começa o conto chamado Inverno Eterno. Não é um conto gótico, mas inicia-se sob essa perspectiva.

Gregory Gustavo disse...

Aguardo ancioso para o lançamento que está previsto para o segundo Semestre desse ano de 2010 para a Obra entitulada "Horns" ainda sem título definido no Brasil..