14 de junho de 2013

A CORRENTE Capítulo 1 - Estevão Ribeiro

Série A CORRENTE:
(Leia Antes: Prólogo)



...Você não vai contrariar o pedido de uma morta, vai? Três anos depois...


Roberto Morate leva uma vida interessante, porém reprovável. Tem seu próprio apartamento no quarto andar de um edifício na Mata da Praia, seu carro e uma série de aparelhos eletrônicos.
Tudo fruto de noites inteiras trabalhando na internet.
Ele não chega a ser bonito. Moreno, 28 anos, levemente acima do peso e, se não fosse tão bom papo, seria tachado de “CDF”. Invade computadores de pessoas, substituindo endereços de seus bancos por cópias produzidas por ele por um curto período, o bastante para conseguir senhas de clientes que têm o azar de utilizar os serviços bancários no período em que ele está agindo.
Agora, às 22:15, Roberto está tentando substituir o site de mais um banco para que amanhã, no início do horário comercial, clientes incautos lhe passem seus números de contas e senhas ao tentar tirar o extrato diário. O processo demora apenas dois minutos e Roberto sorri satisfeito, mas só até perceber que o site real do banco foi restaurado.
– Mas que diabos? – reclama Roberto, digitando feito um louco no teclado – Que filho da puta está querendo me ferrar?

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Ele sabe que as respostas não surgirão de forma simples e parte para o trabalho. Abre um programa, afundando os dedos com raiva no teclado, escrevendo diversos códigos numa pequena janelinha negra, aberta entre diversos ícones na tela de seu computador. Seus olhos fuzilam o monitor de LCD de 20 polegadas, procurando a resposta. A cada sequência de caracteres e códigos digitados, Roberto espera um resultado incompreensível para um leigo, mas ele grita, bate forte na mesa com o mouse, e volta a digitar.
Ele está disposto a achar o que está entre ele e seu ganha-pão.
Roberto alucina ao constatar um endereço conhecido em sua busca pela causa do transtorno.
Ele já se prepara para receber uma ligação em seu celular, que toca segundos depois.
– Fala, Plínio! – atende Roberto, meio chateado.
– Para você é Keyman, cara! Viu como eu te peguei, Betão?
– É, pegou sim. Agora, me deixa trabalhar...
– Trabalhar? Desde quando roubar senhas é trabalhar? – diz Plínio, com certo deboche.
– Mas eu vivo disso, cara! Você faz por diversão!
– Quem disse que isso é vida, Beto? Você tem é que trabalhar de verdade e parar de brincar com esses programinhas bobos, saca?
– Tudo bem, madre Teresa! Quem te ouve falando assim nem imagina que você, usando o meu programinha bobo, desviou mais de 30 mil reais daquele banco há três anos! Qual era mesmo? Ah, é o Banco do...
– Shh! Quer me ferrar, Betão? Os caras estão na minha cola até hoje!
– Então me deixa em paz! – finaliza Roberto, desligando.
Enquanto pragueja contra a intervenção de Plínio, Roberto checa a sua caixa postal.
– Aquele merdinha... Nossa! Cento e trinta e duas mensagens!
Pacientemente, Roberto vai checando a linha de assunto de cada uma delas.
– Promoção, fórum, fórum, dúvidas...
De repente, seu monótono afazer é interrompido pela campainha. Coisa rara, já que a maioria dos seus contatos com o “mundo exterior” é feito por telefone ou pela própria internet.
Ao atender a porta, Roberto é recebido com um soco desferido por uma massa cuidadosamente tratada na academia da Praia do Canto, com 1,78m e 85kg de músculos e arrogância. Esse é André, professor de dança e seu vizinho.

– Ei! Por que você fez isso? – pergunta Roberto, quase chorando.
– Você tem olhado os meus e-mails, seu puto! Eu sei! – grita André, chamando a atenção de outros vizinhos.
– O quê? V-você está louco, cara! Eu não faria uma coisa dessas contigo! – resmunga Roberto, limpando o nariz ensanguentado.
– Fique sabendo o seguinte, seu rato de internet! Reze para ninguém zoar a minha caixa postal, pois se isso acontecer, você será o primeiro suspeito... E eu sou seu vizinho!
– Você não me deixa esquecer disso, André! – diz Roberto, recompondo-se.
Depois de uma rápida ida ao banheiro, Roberto volta para frente do computador para continuar a ler as mensagens. É quando percebe algo muito estranho.
– Ué? Cadê meus e-mails?
Cento e trinta e uma mensagens de sua caixa postal sumiram, sobrando apenas uma, com a linha de assunto vazia, de uma remetente chamada Bruna.

Olá.
Meu nome é Bruna e tenho dezesseis anos. Gosto de trocar mensagens, conhecer pessoas pela internet e você foi escolhido para ser o meu novo amiguinho. Eu acredito que construiremos uma inesquecível história.
E para celebrá-la, eu lhe darei um presente: passe este e-mail para sete pessoas e eu lhe trarei muita sorte.
Sei que não acredita em mim, mas lhe peço que, mesmo assim, me ajude a fazer novos amigos.
Você não vai contrariar um pedido de uma morta, vai?

Roberto toma um susto ao terminar de ler, mas tranquiliza se por conhecer os recursos da internet.
– Hum... Que mensagem, hein? Boa tentativa, Plínio! – diz Roberto, pensando se tratar de uma brincadeira do seu amigo. – Mas esta vai pra lixeira!
Segundos depois de sua declaração, Roberto recebe outro e mail de Bruna.

Nem pense em mandar esta mensagem para a lixeira!
Serei clara, pela última vez:
MANDE este e-mail para sete pessoas e mantenha-se vivo!
Se você apagar ou não passar este e-mail em 48 horas, eu IREI atrás de você.


Ass.: Bruna

Roberto fica paralisado com o que vê. O silêncio é quebrado pela sua incredulidade no sobrenatural.
– Caramba! Por um momento, me assustou! Essa é das boas! Vamos fazer a mensagem circular, então – exclama Roberto, selecionando alguns endereços. – Hmm... Quem merece tomar um baita susto com uma mensagem dessas?
O sangue no teclado, recém-saído do nariz de Roberto, aponta a primeira vítima.
– Aquele dançarino de merda do André!
Depois de André, outras pessoas são escolhidas por motivos diversos. Leda, amiga de escola que há tempo não vê, mas com quem sempre troca mensagens carinhosas. Pregar uma peça nela não seria ruim. Gésser, um amigo de infância, quase um irmão, com quem sempre compartilha coisas interessantes garimpadas na internet. Ingrid, uma garota que conhecera por intermédio de Plínio. Jeremias, que mantém um blog de pegadinhas da rede. Plínio, amigo e eterno rival na rede de computadores. E Lídia, grande amiga com quem Roberto teve um longo relacionamento.
Enquanto a noite termina para Roberto, André ainda viaja pela internet em sites pornográficos. No quarto escuro, debruçado no computador ao lado da cama desarrumada, percorre cada site estrangeiro procurando algo que já não tenha visto. Está cada vez mais difícil.

– Porra! Será que tenho que pagar para entrar nessa droga de site? Isso é um roubo!
Depois de alguma procura, ele encontra um site americano de schoolgirls, garotas vestidas de colegiais, sua especialidade, sua maior tara.
– Oba! As coisas começaram a melhorar. Vem, coisa gostosa!
Ele se perde em inúmeras fotos de mulheres de 25 anos fingindo terem 15 – não que menores não sejam fáceis de achar na internet, só que André é tarado, mas não é bobo. Forçar o cérebro a aceitar que aquela modelo de quinta, com seios caídos, é uma adolescente colegial dá menos prejuízos do que ser acusado de pedofilia.
As fotos das modelos beiram o interessante, mas coisas estáticas fazem André broxar. Ele prefere vídeos. Dá uma bela esmiuçada no site, explorando cada link daquele ambiente cor de rosa, que tem o objetivo de fazer o taradonauta acreditar que está num lugar teen.
Sua internet de baixa velocidade vai demorar horrores para baixar um único vídeo, mas ele tem experiência. Sabe o que vai valer à pena. Ele olha pra a imagem da garota de boca aberta, fingindo inocência. Nem percebe que está salivando quando clica na bela negra com um corpo impecável, de nome Glória. Uma verdadeira raridade naquele site de mulheres decadentes.
– Já vi que essa noite promete – André esfrega os olhos, espantando o sono. Não vai dormir enquanto não ver aquela morena tomando o seu monitor, satisfazendo seu vício. Ao ver que o download vai demorar 40 minutos, pragueja. – Eu devia ter assinado uma velocidade maior de internet!
Sem outra opção além de esperar, recosta-se na cadeira e pega uma revista para não cair no sono. Ele mete a mão na primeira que encontra na pilha de revistas do Batman, seu herói preferido, mas nem chega a iniciar a leitura. A campainha de seu computador o avisa que ele recebera uma mensagem.
Afoito para fazer algo que o ajude a esquecer que está baixando um arquivo monstruosamente grande numa internet colossalmente lenta, resolve ler a mensagem, mesmo sabendo que é spam.

Olá.
Este e-mail foi mandado por uma pessoa que gosta muito de você!
Quer ter sorte e fortuna? Passe este e-mail para sete pessoas que todos os seus desejos se realizarão!
Estudiosos comprovam que o ato de mandar intenções de melhoras de vida por e-mail para amigos faz com que as pessoas se sintam bem-dispostas para...

– Mas que merda é esta? – André interrompe a leitura, ao ver que se trata do que chama de “bosta eletrônica”. – Esse pessoal não tem mais nada para fazer a não ser derramar essas porras na rede?
Indignado, André deleta a mensagem. Instantaneamente recebe outra da mesma pessoa, Bruna. Dessa vez, nem se dá ao trabalho de ler o que lhe foi enviado.
– Mas será o Benedito? Quem é idiota o bastante para ter o trabalho de ficar mandando essas merdas para mim a essa hora da madrugada?
André percebe que está nervoso e falando sozinho. As mãos suadas e a impaciência em esperar o vídeo o tornam irreconhecível em frente ao computador.
– Isso não tá certo – o olhar de pesar para o monitor mostra uma pessoa envergonhada de si mesma e prestes a desligar a máquina. – Não vou perder noite de sono, prejudicar meu trabalho amanhã para ver mulher pelada!
Mais uma mensagem chega, interrompendo seu momento de sensatez. André se enfurece e apaga sem ver, com raiva de si mesmo por não estar dormindo.
O arquivo do vídeo já marca 84% da tarefa concluída. Já tinha perdido parte da noite, então decide que é o último dia em que deixaria seu vício o fazer ir para cama tão tarde. Teria que valer muito a pena.
André volta a ler sua revista e não nota que uma informação muda na caixa de diálogo de download. O site de origem do arquivo de vídeo que ele tanto espera baixar é substituído por www.brunabrunabruna.com.br/laura.mpg.
No tempo certo, ele é avisado pelo computador que acaba de baixar o vídeo.

– Oba! – exclama André excitado, espantando o sono de vez. – Agora eu vou ver se valeu esperar!
Abre o programa de exibição de vídeo. Percebe que o nome do arquivo não corresponde à “temática” do site em que ele estava.
– Laura? Mas o nome da mulher não era Glória? Bem, eu baixei essa droga, então vou pelo menos ver o que é!
André dá dois cliques no ícone do arquivo e inicia a exibição na tela do seu computador. Ao perceber que o vídeo tem som, coloca os fones de ouvido, não quer perder nada do show.
Três segundos de escuridão vêm acompanhados de passos apavorados, aparentemente de uma pessoa muito pesada castigando um assoalho de tacos, usado apenas em apartamentos antigos. O som ecoa em sua cabeça como se aquilo ocorresse no seu quarto,enquanto tenta entender a imagem em baixa resolução que aparece. No ambiente mal iluminado, ao fundo, uma mulher obesa tenta se acalmar tomando alguns comprimidos.
A mulher fala sozinha algumas frases como “Isso não está acontecendo! Só estou impressionada com essas histórias de internet!”, “Quantas mensagens assim eu já recebi e não passei para frente? Quantas mensagens dessas eu já vi?” e “É só minha imaginação!”, ouvidas em meio ao barulho da água da torneira batendo na pia, num espaço ensurdecedor do banheiro vazio.
– Quem é essa gorda? – diz André, numa mistura de raiva com curiosidade. A qualidade do vídeo não ajuda a identificar. – Droga! Tanto trabalho para nada!
Apesar de decepcionado, o dançarino não deixa de ver o vídeo, evidenciando que sua curiosidade não se limita apenas a vídeos sensuais. Ele não quer perder nenhum segundo do que tomou uma boa parte de sua noite. Além disso, tenta, em vão, descobrir se o registro é profissional. Afinal, a imagem é de péssima qualidade e parece amadora, mas a situação é estranha demais para ter realmente acontecido.
– Caramba! O que é aquilo?
Ao ver que algo saltou do espelho em direção à vítima obesa, ele percebe que o que tem no seu computador é aterrador.
– Oh, meu Deus! – André fica atônito enquanto vê a imagem cada vez mais nítida de uma garota vestida com uma encardida camisola de algodão. A figura está coberta pelo sangue dos olhos de sua vítima, que se contorce com seu algoz sentado em sua imensa barriga, desferindo golpes pelo seu rosto, ora arranhando-o, ora apertando a sua garganta.
Mesmo aterrorizado, André não consegue deixar de assistir à barbárie. Usando simultaneamente as teclas Alt e Enter, expande o vídeo em toda a tela para acompanhar a atrocidade daquela garota, agora vista de forma mais nítida. Sua pele está queimada e o encardido de seu vestido é chamuscado de cinzas. Depois de promover a carnificina, a garota caminha em direção à câmera que gravara toda sua crueldade. Ela manipula a câmera como se fosse tirá-la. André tem a nítida impressão de que ela está vindo em sua direção.
– Meu pai eterno! – exclama André, ainda desacreditando do que vê – Q-quem colocaria isso na internet?
Então ela simplesmente para de mexer com a webcam. A garota deformada dentro do monitor olha para André.
– Essa pergunta não interessa, André! O que interessa mesmo é...
André sente o seu sangue congelar.
– ...Por que você não leu meus e-mails?
– Mas que merda... – André é interrompido pela mão deformada saindo da tela em direção ao seu rosto, na altura do nariz. A estranheza do fato associada à força com que a criatura puxa facilitam o encontro fulminante de seu rosto com o monitor que, destruído com o impacto, o presenteia com estilhaços perfurantes. Seus frágeis olhos são os primeiros a derramarem todo o líquido enegrecido. A mão empurra o rapaz, evidenciando os estragos naquele belo rosto. Parte da carne é deixada no vidro da tela, que recebe a cabeça puxada violentamente mais uma, três, oito vezes.
O dançarino ainda respira quando sua cabeça é puxada pela última vez, recebendo uma descarga elétrica que proporciona ao corpo musculoso de André sua dança final.


No capítulo 2... 

“Os cabelos da demoníaca garota encontram-se parcialmente derretidos por toda a cabeça.”

11 comentários:

Rafael Correia disse...

Eu achei bom, mas ainda espero mais no capítulo dois.

caetano-diversão.com disse...

Eu achei demais a história, o engraçado é q o andré tem 85 kg de músculos, e vive acessando sites pornográficos, hmmm, kkkkkkk

Zero disse...

Se tivesse usado um monitor LCD ou de LED isso não teria acontecido... u_u

Anônimo disse...

Eu comprei esse livro... é muito legal, vale a pena *-*

-//- disse...

Eu não gostei dos personagens e nem odiei, ficou tão "em cima do muro" que não foi legal. É claro, na minha opinião :)

P. Colombo disse...

Cruzes, agora fiquei meio preocupada em não passar corrente.

overdrive disse...

Se ela vai atras da pessoa so depois de 48 horas, por que o Andre foi atacado depois de ignorar e apagar o e-mail?





Estevão Ribeiro disse...

Oi, Overdrive. No caso do André, ele, deletou... continue acompanhando!

drgojira disse...

a imagem do post com as cores certas consegue ser mais bizarra do que ja é xD https://si0.twimg.com/profile_images/1139932310/bruna001.jpg

Wilian Colombo disse...

Vou comprar esse livro megusta *-*

Unknown disse...

kkk' morri com o meu nome e a minha idade ae